Os pais de João Florido Cavalheiro

João Florido Cavalheiro é um dos meus antepassados – meu pentavô, para ser mais exato. Era casado com Eduvirgens de Pontes Maciel, com quem teve vários filhos, todos batizados e casados na Lapa. Entre eles, minha tetravó Flora Lina Cavalheiro, nascida em 1848, e que se casou com Felippe Soares Fragoso. Da Lapa, Flora e seu esposo chegaram até a região de Fragosos, hoje município de Campo Alegre, onde deixaram descendência.

Muito pouco se sabe, no entanto, sobre o passado de João Florido Cavalheiro. As pesquisas que tenho feito não conseguiram encontrar o registro de seu casamento, que deve ter ocorrido por volta de 1826. Nos livros eclesiásticos da Lapa, não existe tal assento. Os registros de batismo dos filhos de João Florido tampouco apontam sua origem – não dizem se era da Lapa e também não dizem ser de outro lugar (como creio ser mais provável).

Apesar dessas dificuldades, creio ter encontrado algumas pistas de quem eram os seus pais. Em suma, suspeito que tenham sido Florêncio José Leme e Benigna Maria (ou Maria Benigna). Há uma série de razões que me levam a crer nessa hipótese, mas não encontrei ainda o documento definitivo que me aponte com segurança a sua filiação – razão pela qual ainda não é possível sair do campo das hipóteses, por mais prováveis que elas nos pareçam.

De início, sei que existiam algumas famílias com o sobrenome “Lemes Cavalheiro”, ou “Lemos Cavalheiro”, na região de Curitiba – e parece que no Rio Grande do Sul esse sobrenome duplo também aparecia. Elas podem ou não ter relação com os nomes dessa pesquisa. A isso se soma o fato de que, para as famílias portuguesas, nem sempre o sobrenome do pai era o mesmo sobrenome do filho. Por isso, nada impede que um Leme tenha tido como filho um Cavalheiro, conforme eu suspeito.

Não sei dizer de que forma minha suspeita tomou raiz, ou qual coincidência me chamou a atenção primeiro, a ponto de me fazer cogitar a ligação entre esses nomes. De qualquer forma, procurarei enunciar todas as características que pude perceber no decorrer da análise, independente da ordem em que tenham surgido.

Em 1825, a família de Florêncio José Leme aparece pela primeira vez nos maços populacionais da Lapa, morando no fogo 174. Tinha Florêncio 45 anos e sua esposa Maria Benigna 36. Com eles, moravam dois filhos: João, de 16 anos, e Joaquim, de 14 anos. Os escravos Dionísio (28 anos), Anacleto (24 anos) e Domingas (22 anos), além do agregado Firmino (pardo, 14 anos) completam a lista de moradores. Nota-se, portanto, que havia um João entre os filhos de Florêncio. Se eu estiver certo, se tratará, efetivamente, de João Florido Cavalheiro. Evidencia-se, ainda, um certo destaque social dessa família, possuidora de mão-de-obra escrava. Essa constatação será útil mais adiante.

No ano seguinte, 1826, há um novo registro da família de Florêncio nos maços populacionais da Lapa. Só que com uma significativa diferença: nele, não constam mais os filhos. Florêncio José Leme aparece com 46 anos e sua esposa Maria Benigna com 37 anos – ou seja, confirmando a idade apontada no registro do ano anterior. Os escravos e o agregado continuam morando com a família de Florêncio. Mas nem sinal de João e Joaquim, os filhos apontados em 1825.

Disso seria possível concluir que teriam se casado, passando a morar em domicílio próprio. Mas a conclusão não é tão simples assim, por conta da idade apontada para os dois. Ainda que se aceite que João, aos 17 anos, esteja casado, não é muito provável que um Joaquim de 15 anos também o seja – mesmo naquela época. Os registros posteriores me levam a crer que a idade dos dois está equivocada em alguns anos. Mas, por ora, atemo-nos ao fato de que o João que penso ser o João Florido Cavalheiro não estava mais morando com o pai, e que era possível que, nesse intervalo entre um maço populacional e outro, ele tenha se casado.

Lembro ainda que não foram encontrados registros posteriores de algum Joaquim que pudesse ser o filho de Florêncio – razão pela qual não se exclui também a possibilidade de óbito. Nota-se ainda que, confirmada a hipótese de casamento, seria provável que tal família estivesse entre as que foram mencionadas no maço populacional. E, no entanto, João não aparece, nesse ano, nem como filho de Florêncio e nem em domicílio próprio – muito menos Joaquim.

Em 1827, um novo maço populacional atualiza as informações a respeito da família de Florêncio José Leme. Agora, possuíam três escravos a mais. No entanto, os filhos não moravam com eles, a exemplo do que se percebeu no ano anterior. Mas nesse ano encontramos, efetivamente, o domicílio de João Florido Cavalheiro – seja filho do Florêncio ou não. Estava com 22 anos, e sua esposa Eduvirgens com 17. Já possuíam um filho, chamado José, que contava com 1 ano. E eram proprietários da escrava Felippa.

Ou seja, nota-se que um João aparece como filho de Florêncio em 1825, desaparece em 1826, e um João Florido Cavalheiro aparece repentinamente em 1827 – e morando em domicílios próximos: enquanto Florêncio e sua esposa moravam no fogo 80, João Florido morava no fogo 71.

Comparando-se as idades declaradas, no entanto, surgem algumas contradições. Tendo João Florido Cavalheiro 22 anos em 1827, teria 20 dois anos antes. E já se observou que a idade declarada para o filho de Florêncio na época foi de 16. Sabe-se que a questão das idades em maços populacionais é muito controversa, e são bastante freqüentes os equívocos a esse respeito. Ainda que a diferença pareça alta entre um e outro registro (4 anos), é preciso considerar a possibilidade de ter havido erro em algum deles. De qualquer forma, ainda que o maço populacional nos forneça o domicílio de João Florido, não é possível concluir daí que se trata do mesmo filho de Florêncio que desapareceu da sua residência.

Chama a atenção, ainda, o fato de João Florido e sua esposa Eduvirgens já contarem, naquele ano de 1827, com um filho de 1 ano – a aceitar a idade como próxima da realidade, ele teria nascido no ano anterior, o mesmo em que um João deixou de aparecer no domicílio de Florêncio.

Percebe-se também que, se a família de Florêncio José Leme era mais ou menos abastada, a ponto de possuir mão-de-obra escrava (e nesse ano, os escravos eram seis), a família de João Florido Cavalheiro também dispunha desse tipo de serviço – embora representado por apenas uma escrava.

O próximo ano apontado pelo maço populacional é o de 1829 – dois anos depois, portanto. Voltamos a encontrar os domicílios de Florêncio e de João Florido. Dessa vez, mais pertos do que antes: um ao lado do outro, sugerindo uma ligação que, se não era sangüínea como a cremos, ao menos era de relações cotidianas. Ambas as residências não sofreram grandes alterações, apenas mais uma agregada, chamada Anna, de 8 anos, passou a morar no domicílio de Florêncio José Leme.  João Florido ainda não aparece com outros filhos além de José. A sua idade, nesse ano, aparece como sendo de 24 anos – portanto, corroborando o maço de 1827. As informações e idades são mantidas no registro seguinte, de 1830 – o que leva a crer que, se de fato há equívoco nas idades apontadas, ele se dará no registro em que o João, filho de Florêncio, aparece com 16 anos. Se não há equívoco nesse ponto, trata-se de pessoas diferentes, e, portanto, a hipótese não se confirma. 

Das informações dos maços populacionais, passamos para outras, presentes nos livros da Igreja de Santo Antônio da Lapa. Não encontramos o registro de batismo de José, filho de João Florido Cavalheiro, assim como não encontramos, como dito, o seu registro de casamento com Eduvirgens de Pontes Maciel – de quem, portanto, também desconhecemos os pais. Há, portanto, a possibilidade de João Florido ter se casado em outro lugar, e batizado o filho nesse mesmo lugar desconhecido, para só então passar a morar na Lapa e figurar nos maços populacionais. Isso explicaria a ausência de registros, mas não o desaparecimento de um João entre os filhos de Florêncio.

Se não achamos o registro de batismo de José, achamos de seus irmãos e irmãs. O primeiro que encontramos é bem significativo. Em 15/11/1829 foi batizada Benigna, filha de João Florido Cavalheiro e Eduvirgens Maria, tendo como padrinhos Joaquim Pacheco da Silva e Rozanna Maria da Silva. Sabemos que era Benigna o nome da esposa de Florêncio José Leme. Naturalmente, a simples escolha de um nome para uma filha não significa uma relação de parentesco – por mais que o nome Benigna não estivesse, nem de longe, entre os mais comuns da época. De modo que, tendo parentesco ou não com a Benigna esposa de Florêncio, é possível que fosse a ela que estivessem homenageando – considerando-se ainda, nesse ponto, que as duas famílias moravam, naquele ano, uma ao lado da outra, como visto.

Dois anos depois, em 02/10/1831, foi batizada Rita, filha de João Florido Cavalheiro e Eduvirgens de Pontes. Foram padrinhos Florêncio José Leme e Joaquim Roberto. A presença de Florêncio nesse registro mostra que a relação entre as duas famílias era maior do que a simples vizinhança.

Rita, ao crescer, era conhecida como Rita Florida Cavalheiro, em alusão ao nome do pai. Em 23/06/1857, ela se casou com João Mariano Duarte. Dessa relacionamento, nasceu, entre outros, um filho que levou o nome de Florêncio Duarte Cavalheiro. Nesse ponto, não era João Florido que estava homenageando alguém próximo do seu círculo de relações, como é possível alegar no caso da filha Benigna. Era outra filha sua, e que provavelmente não iria se dispor a homenagear alguém apenas por ser conhecido de seu pai – a menos que houvesse profundas ligações entre essas famílias. Seria natural, no entanto, chamar um filho de Florêncio se este fosse o nome de um avô seu – a homenagem se justificaria. Ainda não há como sair, no entanto, do campo das hipóteses.  

Mas elas se tornam mais robustas quando percebemos que, em 29/07/1837, foi batizada outra filha de João Florido Cavalheiro e Eduvirgens de Pontes Maciel, chamada novamente de Benigna. Supõe-se que a primeira tenha falecido pequena. Nada exclui a possibilidade dos pais gostarem muito desse nome, a ponto de repeti-lo para uma nova filha que tiveram. Mas o fato é que, fosse filho ou não, João Florido Cavalheiro conhecia uma Benigna – e é difícil, nesse ponto, não acreditar na possibilidade de homenagem (caso isso seja verdadeiro, haveria ainda uma grande necessidade de homenagear, já que o nome foi dado para uma nova criança).

A hipótese ganha mais força ainda em 28/05/1842. Nesse dia, foi batizada na Lapa outra filha de João Florido e sua esposa, e que recebeu o nome, vejam vocês, de Benigna. Como se não bastasse uma terceira criança ter recebido o mesmo nome, os padrinhos desse batizado são Florêncio José Leme e Benigna Maria, praticamente comprovando a homenagem – mas ainda não o parentesco, obrigando-nos a nos conter nas conclusões.

Cremos que as duas primeiras Benignas realmente faleceram pequenas. Em idade adulta, encontramos apenas uma Benigna Cavalheiro, casada com João Paulo de Santana Nunes em 15/11/1874, também na Lapa. De modo que acabaram por aí os batizados de Benignas. A insistência de João Florido Cavalheiro e sua esposa na escolha desse nome sugere uma ligação entre sua família e a de Florêncio José Leme muito maior do que a de simples conhecidos – mas também não chega a dar certeza absoluta de nada.

De qualquer forma, é muito difícil se controlar para não dar como certa a filiação quando se percebe ainda que essa Benigna Cavalheiro que sobreviveu teve com seu marido uma filha, batizada na Lapa em 20/12/1881, e que recebeu o nome de… Florência. Se a hipótese não se confirmar, irei crer imensamente na capacidade do acaso em brincar com os genealogistas.

João Florido Cavalheiro e Eduvirgens de Pontes Maciel tiveram ainda um filho chamado João, o nome do pai. E a próxima a nascer foi minha ancestral que, ao contrário do que se poderia esperar, não levou o nome de Benigna. Flora Lina Cavalheiro nasceu em 17/10/1848. Nota-se ainda a insistência por nomes que possuem o mesmo radical: Florêncio, Florido e Flora. Se não for o bastante, ainda digo que a escrava Felippa, de propriedade de João Florido, teve um filho que levou o nome de Appolinário Floriano.

Caso não tenha me esquecido de nenhuma, essas são as evidências que (se me permitem o eufemismo) me fizeram suspeitar de Florêncio José Leme e Benigna Maria como pais de João Florido Cavalheiro. Benigna faleceu em 27/08/1843, com 45 anos, segundo o padre que fez o seu assento de óbito. E, segundo ele, não deixou testamento. O óbito de Florêncio não foi encontrado. O próximo passo será verificar se, por ventura, ele não chegou a deixar testamento. Caso eu encontre esse precioso documento, provavelmente as dúvidas se dissiparão. A menos que, ao falar da filiação, conste apenas algo como “filho João, casado”. Mas acho que o acaso não seria tão brincalhão assim.

Published in: on 01/12/2008 at 3:47 PM  Comments (35)  
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Resgate Histórico na Lapa

BEM PARANA de 25.03.08

(http://www.bemparana.com.br/index.php?n=62505&t=iphan-faz-resgate-historico-na-lapa)

Carlos Simon

Dona de um rico patrimônio histórico, a Lapa abriga desde a segunda-feira um projeto para desvendar a parcela de sua história escondida no subsolo. Uma equipe de 15 pesquisadores do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), ligado ao Ministério da Cultura, dá a largada ao resgate arqueológico no centro e arredores da cidade, com fins educativos e turísticos.

Os trabalhos práticos no Centro Histórico concentram-se na escavação de uma antiga fonte que será incorporada a uma nova praça, no limite da área tombada pelo Iphan. Enquanto recuperam a fonte do século 19, pesquisadores abrirão o espaço para o público e estudantes locais. “Assim aproximamos a arqueologia da comunidade, o que raramente ocorre”, afirma o arqueólogo Paulo Zanettini, chefe da equipe do instituto.

Paralelamente ao projeto, cerca de 10 técnicos do Iphan, vindos de diversas regiões do País, participarão de um curso de capacitação e treinamento específico para a arqueologia realizada em áreas urbanas. O instituto pretende ainda formar uma cultura arqueológica da Lapa, com formação profissional e instalação de laboratórios, mostrando os ganhos culturais e turísticos da atividade.

“Lapa tem quase 240 anos de história, ligada à instalação do ciclo do tropeirismo que ligava o Sul com o Sudeste País. Ela ficava às margens da Estrada da Mata, justamente o antigo caminho que ia de Viamão, no Rio Grande do Sul, à Sorocaba, em São Paulo. Deste modo, há diversas representações desse patrimônio histórico e arqueológico, excelentes para exemplificar diferentes períodos e costumes”, diz Zanettini, que considera o patrimônio lapeano um dos mais belos e bem preservados do País.

“É uma cidade rica em potencial turístico. Quantas cidades brasileiras com menos de 50 mil habitantes possuem 7 museus e um belo teatro do século 19? Além, é claro, do patrimônio arqueológico que ainda está escondido nas antigas fazendas e no subsolo da área urbana. É um patrimônio incrível que trará um pedaço da história do Brasil, através do cotidiano do povo paranaense’, completa.

Em outra frente, equipes vão mapear sítios arqueológicos nos arredores da cidade — alguns de até 8 mil anos. “Temos oito sítios cadastrados no Paraná, mas alguns deles não são pesquisados. O Estado tem riqueza pré-histórica muito grande”, afirma Zanettini. Os locais preservam vestígios das primeiras comunidades que habitaram o Estado, atraídos pelas boas condições climáticas e de subsistência na região. As equipes do Iphan devem ficar na cidade por 10 dias.

Published in: on 13/04/2008 at 4:25 AM  Comments (1)  
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